Para responder essa simples pergunta, precisei tirar uma semana para absorver o impacto da estréia de The Dark Knight. Fã do Homem-Morcego desde os quatro anos de idade, são trinta anos de gibis, filmes, brinquedos e roupas (sim, eu tenho mais uma nova camiseta do Batman).
São trinta anos esperando para ver uma adaptação digna da força do personagem e seu universo. O universo mais rico das HQs. Aqui vale corrigir a maior injustiça dos quadrinhos. Batman foi uma criação do estúdio de Bob Kane, por isso o esperto desenhista leva o crédito. Mas tudo – inclusive a mudança que tirou as estranhas asas e colocou a elegante capa – saiu da mente genial do roteirista Bill Finger. O trauma da morte dos pais, a cidade dominada pelo crime, a identidade secreta, o quartel general, o ajudante. Todos os detalhes que fazem do vigilante de Gotham o mais interessante personagem da nona arte surgiu da criatividade de Finger. Tudo bem que ele usou de inspiração o filme The Bat e o Zorro (homenagem que sempre aparece nosflashbacks de Bruce sobre a noite do crime), mas Finger conseguiu ir muito além e construir a base de todos os super-heróis que viriam depois. Base que outros autores respeitaram.
Jerry Robinson (duplando com Finger), Dennis O´Neil com Neal Adams, Frank Miller com Klaus Janson e com David Mazzucchelli, Alan Moore com Brian Bolland, Grant Morrison com Dave McKean, Jeph Loeb com Tim Sale são alguns dos principais construtores do mito Batman. Artistas que entenderam e por isso ampliaram a força do Homem-Morcego. Coisa que o desvairado Joel Schumacher (diretor dos filmes Batman Eternamente e Batman & Robin) não fez com as suas ridículas versões. Tim Burton é genial, mas Michael Keaton não funcionou e seus dois filmes tinham os vilões como centro. E eu queria um filme do Batman, não do Coringa.
Então chegou Begins
Chris Nolan e o amigo David S. Goyer mergulharam de cabeça em Gotham e entregaram a encarnação definitiva do seu defensor. O elenco afinado e o roteiro fiel fizeram crítica, público e fãs acreditarem que era possível um morcego voar.
Dado o primeiro passo, a mesma equipe, agora com o irmão de Chris, Jonathan, teve a difícil tarefa de criar uma seqüência (maldição de Hollywood) melhor do que o original. Uma adaptação de super-herói que conseguisse superar, sem trocadilho, Superman The Movie. E não deixar feio perto do último Iron Man. Eles conseguiram. Mas como?
Em Dark Knight o que explode na tela, assim como ocorre nos gibis, não é apenas um cara vestido de morcego correndo pelos telhados. É uma discussão sobre o ser humano, o quanto temos de trevas e luzes em nossas almas, até quando podemos resistir e até onde podemos cair.
Batman, o único super-herói que vai na raça, sem poderes, armaduras ou anéis mágicos, é o exemplo do potencial da humanidade. Ele, e não Kal-El, é o übermensch de Nietzsche. Para evitar que outros sofram o que ele sofreu, Bruce Wayne abre mão de tudo e vai até o seu limite. Como muito bem mostra o filme num diálogo que ele tem com seu mordomo Alfred.
O Coringa surge na trama como realmente é: uma força do caos. Ele não quer dinheiro ou poder. Para o Palhaço do Crime, a única graça, a piada mortal é ver o circo pegando fogo. Num dos melhores diálogos do longa, o Coringa explica para Batman que não o mata porque ele é muito divertido.
Harvey Dent aparece como é retratado atualmente nos quadrinhos, uma figura trágica, um personagem de Shakespeare vivendo num drama grego. Batman fala no filme que o Coringa foi atrás de Dent pois ele é o melhor, o que consegue traduzir a esperança, o verdadeiro herói de Gotham. A fala de Dent sobre morrer um herói ou viver para se tornar um vilão é uma das mais sensacionais do filme. E com certeza de todos os quase 70 anos do Batman.
Num podcast recente da Creative Screenwriting Magazine, Jeff Goldsmith entrevistou Jonathan Nolan. O co-roteirista falou da influência de histórias como o Longo Dia das Bruxas e como a questão how far is too far foi a idéia central do filme. Exatamente como tem sido nas melhores histórias dos gibis.
No filme, Batman, Jim Gordon e Dent são colocados à prova, são forçados a enfrentar desafios e questões morais para descobrir how far is too far. Alguns resistem, outros não. O interessante sobre Dent é que os irmãos Nolan deram uma aula de como colocar vários personagens, no caso dois vilões, num mesmo filme e não perder o foco, como aconteceu com o fraco Homem-Aranha 3 - ou seria Emo-Aranha 3? A cena do Peter "mau" é uma das mais ridículas da história do cinema, perdendo talvez apenas para o batcartão de crédito de Batman & Robin.
Acompanhando esse tão bem construído roteiro temos uma direção com estilo mas não afetada. Chris tem personalidade, como já mostrou em Amnésia, mas sua meta é contar uma história e não se exibir como diretor. Quando a trama pede, ele abusa da produção. Quando tem que ser clássico, como o Coringa saindo do hospital vestido de enfermeira (uma homenagem a Brian de Palma?), ele é clássico, tirando graça de uma cena assustadora. A platéia ri de nervosa, para delírio do Coringa. Essa direção segura se reflete, também, no elenco. Christian Bale, Heath Ledger, Aaron Eckhart, Michael Caine, Morgan Freeman, Gary Oldman e Maggie Gyllenhaal estão brilhantes. O triste na morte de Ledger não foi apenas a perda de uma grande ator no melhor papel da sua carreira. Não foi nem a dor de sabermos que nunca mais veremos esse Coringa. O triste foi que acabou criando uma sombra sobre as outras interpretações, principalmente de Aaron Eckhart que está tão magnífico quanto ele.
Roteiro, direção, elenco. Tudo isso ajuda a entender porque Dark Knight é tão bom. Mas a verdadeira resposta para a pergunta Why so good? é a mesma que faz o trabalho dos já citados autores de HQ tão bom. Nolan e sua equipe entenderam a piada. Compreenderam o que é o Batman e os significados que envolvem seu mundo. Fizeram isso como poucos autores de quadrinhos fizeram. Para mim, este não é apenas a melhor adaptação de HQ. É uma das quatro melhores histórias do Batman, ao lado de Asilo Arkham, A Piada Mortal e O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller.
O que temos na tela é a essência do que faz as aventuras do Homem-Morcego tão únicas. Ele não é um super-herói como os outros. Ele não é o Superman. Batman não está aqui para nos inspirar. Está aqui para deixar as trevas longe da luz. E está disposto a pagar o preço de viver nas trevas para fazer isso, como mostra a última cena do filme. Ele é o Cavaleiro das Trevas. Nos gibis, no coração dos fãs e, graças a Chris Nolan e equipe, agora nos cinemas.
Diego Moreau, acompanhando de perto a nova bathistória R.I.P de Grant Morrison
Postagem do portal www.nanquimhq.com.br